(UFU) Parado, com a colher suspensa sobre a bancada de aço inox, o sujeito atravancava minha passagem
14. (UFU) Parado, com a colher suspensa sobre a bancada de aço inox, o sujeito atravancava minha passagem. Ia enfiá-la no pote de ervilhas, arremeteu, pousou-a na bandeja de beterrabas, levantou uma rodela, soltou-a, duas gotas vermelhas respingaram no talo de uma couve-flor. Fosse mais para trás, lá pela travessa do agrião, eu poderia ultrapassá-lo e chegar aos molhos a tempo de colocar azeite e vinagre antes que ele se aproximasse, mas da beterraba aos temperos é um passo e então seria eu a atrapalhar sua cadência. (Segundo a etiqueta não escrita dos restaurantes por quilo, a ultrapassagem só é permitida se não for reduzir a velocidade do ultrapassado – o que seria equivalente a furar a fila).
Tudo é movimento, dizia Heráclito; o mundo gira, a lusitana roda, anunciava a televisão: só eu não me mexia, preso diante da cumbuca de grãos de bico com atum. Fiquei irritado. Aquele homem hesitante estava travando o fluxo de minha vida, dali para frente todos os eventos estariam quinze segundos atrasados: da entrega desta crônica ao meu último suspiro.
PRATA, A. A zona do agrião. Estadão, 23 dez. 2008. Disponível em: . Acesso em: 30 mar. 2018.
Narrada na primeira pessoa do singular, a crônica parte de um evento corriqueiro na fila de um restaurante por quilo para elaborar uma reflexão sobre a passagem do tempo. No texto, a função metalinguística da linguagem é evidenciada no fragmento
- “Segundo a etiqueta não escrita dos restaurantes por quilo, a ultrapassagem só é permitida se não for reduzir a velocidade do ultrapassado [...].”
- “[...] dali para frente todos os eventos estariam quinze segundos atrasados: da entrega desta crônica ao meu último suspiro.”
- "Parado, com a colher suspensa sobre a bancada de aço inox, o sujeito atravancava minha passagem.”
- “Tudo é movimento, dizia Heráclito; o mundo gira, a lusitana roda, anunciava a televisão [...].”
Resposta: B
Resolução: Sim, a função metalinguística da linguagem é evidenciada no fragmento "dali para frente todos os eventos estariam quinze segundos atrasados: da entrega desta crônica ao meu último suspiro". Nesse trecho, o narrador faz uma reflexão sobre a passagem do tempo e se utiliza da linguagem para se referir a si próprio e ao próprio texto que está produzindo. Ele estabelece uma relação metalinguística ao mencionar a entrega da crônica e o seu último suspiro, fazendo referência ao próprio processo de produção do texto e a sua vida. A metalinguagem permite ao narrador fazer comentários sobre a própria linguagem e sobre aspectos do contexto em que ela é utilizada, o que contribui para o desenvolvimento da reflexão sobre a passagem do tempo presente na crônica.