(UFU) Parado, com a colher suspensa sobre a bancada de aço inox, o sujeito atravancava minha passagem
07. (UFU) Parado, com a colher suspensa sobre a bancada de aço inox, o sujeito atravancava minha passagem. Ia enfiá-la no pote de ervilhas, arremeteu, pousou-a na bandeja de beterrabas, levantou uma rodela, soltou-a, duas gotas vermelhas respingaram no talo de uma couve-flor. Fosse mais para trás, lá pela travessa do agrião, eu poderia ultrapassá-lo e chegar aos molhos a tempo de colocar azeite e vinagre antes que ele se aproximasse, mas da beterraba aos temperos é um passo e então seria eu a atrapalhar sua cadência. (Segundo a etiqueta não escrita dos restaurantes por quilo, a ultrapassagem só é permitida se não for reduzir a velocidade do ultrapassado – o que seria equivalente a furar a fila).
Tudo é movimento, dizia Heráclito; o mundo gira, a lusitana roda, anunciava a televisão: só eu não me mexia, preso diante da cumbuca de grãos de bico com atum. Fiquei irritado. Aquele homem hesitante estava travando o fluxo de minha vida, dali para frente todos os eventos estariam quinze segundos atrasados: da entrega desta crônica ao meu último suspiro.
PRATA, A. A zona do agrião. Estadão, 23 dez. 2008. Disponível em: . Acesso em: 30 mar. 2018.
Narrada na primeira pessoa do singular, a crônica parte de um evento corriqueiro na fila de um restaurante por quilo para elaborar uma reflexão sobre a passagem do tempo. No texto, a função metalinguística da linguagem é evidenciada no fragmento
- “Segundo a etiqueta não escrita dos restaurantes por quilo, a ultrapassagem só é permitida se não for reduzir a velocidade do ultrapassado [...].”
- “[...] dali para frente todos os eventos estariam quinze segundos atrasados: da entrega desta crônica ao meu último suspiro.”
- "Parado, com a colher suspensa sobre a bancada de aço inox, o sujeito atravancava minha passagem.”
- “Tudo é movimento, dizia Heráclito; o mundo gira, a lusitana roda, anunciava a televisão [...].”
Resposta: B
Resolução: A função metalinguística da linguagem é aquela em que o próprio texto faz referência a si mesmo e ao seu processo de produção ou interpretação. No fragmento mencionado, a crônica faz referência a si mesma como uma produção textual, ao falar da entrega desta crônica, e também faz uma reflexão sobre o processo de interpretação do texto, ao citar o último suspiro como uma possível leitura do texto. Portanto, a função metalinguística da linguagem é evidenciada no fragmento mencionado, pois o texto se refere a si mesmo e ao seu processo de produção e interpretação.